Benedetta Capelli e Andressa Collet (Vatican News)
Em 9 de março de 2020, no auge da pandemia, a mídia do Vaticano transmitiu, a pedido do Papa, a missa da manhã da Casa Santa Marta. Por mais de dois meses, com as igrejas fechadas por medo de contágio da Covid-19, Francisco não deixa de estar próximo. Torna-se um compromisso importante para os fiéis de todo o mundo; até na China participam da celebração. O vaticanista Lucio Brunelli explica que “a convivência com Jesus, todas as manhãs, foi o verdadeiro centro da consolação que o Papa trouxe para os dias de tantas pessoas”.
“Como um raio num céu limpo” é uma forma de expressão pra descrever quando um acontecimento muda de repente a vida. O relâmpago também traz luz e, nesse flash, podemos vislumbrar um horizonte de esperança. Há a pandemia que sufoca, imobiliza a existência, nos obriga a alterar o equilíbrio no trabalho, em casa e também nos tira o alimento da Eucaristia. É uma escolha, essa última, que nasce da necessidade de conter os contágios.
Na Itália – mas também no Brasil, por exemplo – os números são impressionantes, quase mil pessoas morrem por dia. A luz se ascende sobre a dedicação de médicos, enfermeiros, faxineiras, balconistas de supermercado e sobre a vida dos mais frágeis, os idosos “memória” e “raízes profundas” para o futuro, como o Papa gosta de chamá-los.
É nessa consternação que todos sentem, na solidão que tantos vivem, no medo de adoecer, que Francisco escolhe se fazer próximo. Ele oferece a sua proximidade como pai, permitindo que qualquer pessoa participe, a partir de 9 de março de 2020, da missa das 7 da manhã que, todos os dias, celebra na Casa Santa Marta. Aquele evento, até então contado pelos profissionais da mídia do Vaticano e reservado a pequenos grupos, torna-se disponível a todos. O Papa, ao vivo pela televisão, celebra a Eucaristia, mostrando imediatamente o significado daquela escolha:
“Nestes dias, vou oferecer a missa pelos doentes desta epidemia de coronavírus, pelos médicos, enfermeiros, voluntários que tanto ajudam, familiares, idosos que estão em casas de repouso, presos que estão encarcerados. Rezemos juntos nesta semana, esta forte oração ao Senhor: ‘Salva-me, ó Senhor, e dá-me misericórdia. O meu pé está no caminho certo. Na assembleia vou abençoar o Senhor’.”
A Igreja com o povo
“Oração forte”, diz Francisco, uma oração que se eleva da sua Casa para se tornar o sopro do mundo. Uma única voz que une, que fortalece a comunidade, que ajuda a não se render ao desespero. Todos os dias o Papa tem um pensamento para aqueles que estão em dificuldade: as grávidas, as crianças longe da escola e que com pressa não saudaram sequer professores e colegas de classe, artistas dotados de “muita criatividade” que, “através do caminho da beleza”, havia dito em 27 de abril de 2020, “nos mostram o caminho a seguir”.
Aquele pegar o rebanho perdido pela mão tem um eco incrível, até na China seguem diariamente as missas do Papa. Em 18 de maio, depois de mais de dois meses e com a possibilidade de retomar as celebrações presencialmente, Francisco interrompe esse costume porque, como havia dito em 17 de abril, “o ideal da Igreja está sempre com o povo e com os Sacramentos. Sempre”.
A entrevista com o vaticanista Brunelli
Um ano depois, como ler a escolha do Papa em transmitir a missa na Santa Marta? Quem responde é o vaticanista Lucio Brunelli, ex-diretor da TV2000:
R. – Foi uma escolha verdadeiramente profética e providencial. Foram dias muito particulares, experiências sem precedentes em nossas vidas e na vida de milhões de pessoas. Estávamos confinados em casa, assustados, e o boletim das 18 horas, todos os dias, nos aterrorizava com o número de mortes crescendo, crescendo, e estávamos também sem os Sacramentos, o que também foi uma experiência absolutamente inédita para milhões de pessoas. Não podíamos nos confessar, não podíamos ir à missa e, desse ponto de vista, o sim do Papa à transmissão ao vivo da missa na Santa Marta foi uma grande consolação, um grande conforto na vida diária. Não foi apenas um consolo “sentimental”, mas foi um conforto para a fé, cujo centro – que muitas vezes esquecemos – é a figura, a própria presença de Jesus. Essa convivência com Jesus, todas as manhãs, foi o verdadeiro centro da consolação que o Papa trouxe aos meus dias e aos dias de muitos italianos.
Assim, a mídia sempre retomou as intenções de oração do Papa que eram dedicadas às figuras mais expostas ao vírus, mas não se pode subestimar o peso das homilias, que talvez foram o próprio coração desse conforto que você mencionou…
R. – As intenções eram importantes porque realmente nos faziam sentir mais unidos, por isso, enfermeiros, idosos, famílias que estavam em casa com crianças eram importantes para a concretude de que falávamos antes, mas o coração dessas missas eram as homilias, o comentário do Evangelho feito pelo Papa com essa concretude que fazia parecer que estávamos lá todos os dias, misturados com a multidão que seguia Jesus na Palestina, descobrindo a cada dia um aspecto, uma profundidade.
Como mudou a percepção da figura do Papa e, em particular, do Papa Francisco, se é que mudou de alguma forma?
R. – Fiquei impressionado com o fato de que muitos amigos e conhecidos que eram preconceituosos em relação ao Papa Francisco, naquele período, mudaram um pouco de opinião. Eles descobriram um Papa Francisco diferente em comparação com certos esquemas e certos estereótipos que eles haviam seguido. Em particular, o estereótipo do Papa político, tanto quando era elogiado como quando era denegrido, sempre preso em um esquema, considerado à direita como o Papa amigo dos comunistas, à esquerda valorizado como o Papa ecológico, que defende os direitos dos imigrantes. Naqueles dias, era como se todos nós tivéssemos descoberto o verdadeiro coração deste Pontificado que é essencialmente religioso, no sentido profundo e concreto do termo, o retorno ao Evangelho. Acredito que nunca como naqueles dois meses e 9 dias, de 9 de março a 18 de maio, o Papa Francisco tenha estado tão próximo, tenha entrado no coração das pessoas e que elas tenham compreendido o que ele expressa mais profundamente.
Até hoje, muitos escrevem à mídia do Vaticano pedindo novamente a missa de Santa Marta e de restabelecer aquele costume interrompido quando foi possível retornar à igreja e celebrar a Missa presencialmente. É como se houvesse um sentimento de vazio sendo compartilhado….
R. – Foi um pouco triste quando as missas de Santa Marta foram interrompidas, embora a motivação do Papa fosse muito forte e verdadeira. No dia em que foi devolvida aos fiéis a possibilidade de participar da missa, ele parou sem demora. Creio que a sua razão seja muito importante porque o risco de uma Igreja “virtual” poderia surgir em todos nós, enquanto, em vez disso, é essencial na vida cristã a pertença física à comunidade e também ao Sacramento. Tem sido uma experiência excepcional de todos os pontos de vista. Sou um jornalista que sempre se ocupou de informação religiosa: essa experiência foi importante também do ponto de vista numérico. Desde que a Rai 1 (o canal público de TV da Itália) decidiu transmitir a missa ao vivo – no início foi apenas a Tv2000 (o canal dos bispos italianos) e depois a transmissão da mídia do Vaticano, vimos índices incríveis acima dos 23% que, somados aos da Tv2000, levaram a mais de 30% dos italianos que acompanhavam a missa da manhã da Santa Marta. Essa também é uma experiência que me impressionou muito, já que foi uma missa que chegava nua e crua, sem comentários, e essa também foi a sua força. Mesmo os espaços de silêncio, que aparentemente poderiam parecer mais antitelevisivos, como o momento da adoração eucarística, mesmo ali a atenção não diminuía porque o Papa consegue tocar os acordes profundos, os acordes da fé que são a verdadeira fonte de consolação, da esperança que sentíamos e sentimos necessidade até hoje.
Fonte: Vatican News