Silvonei José (Vatican News)
Segundo a tradição “uma voz convidou a recitar “três Ave Marias, uma para cada dia que meu corpo permaneceu no túmulo”. Quem a ouviu em 22 de junho de 1883 foi Carmela Grima, uma agricultora da ilha de Gozo. Ela confidenciou o prodigioso acontecimento a um amigo seu, Francisco Portelli, que revelou à jovem que tinha ouvido as mesmas palavras nas proximidades do mesmo local, lugar hoje da Igreja de Ta ‘Pinu, que agora é um Santuário, e que acolheu o Papa Francisco na tarde deste sábado.
Na sua homilia durante o encontro de oração Francisco iniciou refletindo sobre a hora de Jesus, que no Evangelho de João é a hora da morte na cruz. Francisco disse que não constitui a conclusão da história, mas marca o início duma vida nova. Na cruz, contemplamos o amor misericordioso de Cristo, que estende os braços para nós e, através da sua morte, abre-nos à alegria da vida eterna.
“Irmãos e irmãs, a partir deste Santuário de Ta’ Pinu, podemos meditar juntos sobre o novo início que brota da hora de Jesus. Também neste lugar, antes do edifício esplêndido que vemos hoje, havia só uma capelinha em estado de abandono. Já estava aliás decidida a sua demolição: parecia o fim”.
Mas uma série de acontecimentos mudou o rumo das coisas, como se o Senhor quisesse dizer a esta população: «Não serás mais chamada a “Desamparada”, nem a tua terra a “Deserta”; antes, serás chamada: “Minha Dileta”, e a tua terra a “Desposada”». Aquela capelinha tornou-se o Santuário nacional, meta de peregrinos e fonte de vida nova.
Francisco recordou que esteve ali como peregrino, também São João Paulo II, cujo aniversário da morte ocorre hoje. Um lugar que parecia perdido, hoje regenera fé e esperança no Povo de Deus.
Mas que significa voltar àquele início? Que significa tornar às origens? perguntou Francisco.
“Antes de mais nada, disse Francisco, trata-se de voltar a descobrir o essencial da fé. Tornar à Igreja das origens não significa olhar para trás para copiar o modelo eclesial da primeira comunidade cristã. Não podemos «saltar a história», como se o Senhor não tivesse falado e feito grandes coisas também na vida da Igreja dos séculos seguintes. Nem significa sermos demasiado idealistas, imaginando que naquela comunidade não haveria dificuldades quando, pelo contrário, lemos que os discípulos discutem e chegam mesmo a litigar entre eles, e nem sempre entendem os ensinamentos do Senhor”.
Voltar às origens significa, disse o Papa, antes, recuperar o espírito da primeira comunidade Cristã, isto é, voltar ao coração e redescobrir o centro da fé: a relação com Jesus e o anúncio do seu Evangelho ao mundo inteiro. Isto é o essencial!
Francisco destacou que a Igreja maltesa gloria-se duma história preciosa da qual extrair tantas riquezas espirituais e pastorais. “Todavia, a vida da Igreja – tenhamo-lo sempre presente – nunca é só «uma história passada a recordar», mas um «grande futuro a construir», dócil aos desígnios de Deus”.
O Santo Padre afirmou “não nos pode bastar uma fé feita de usos e costumes recebidos por tradição, de celebrações solenes, belas iniciativas populares, momentos fortes e emocionantes; precisamos duma fé fundada e renovada no encontro pessoal com Cristo, na escuta diária da sua Palavra, na ativa colaboração na vida da Igreja, na alma da piedade popular”.
Francisco disse em seguida que a crise da fé, a apatia da prática religiosa sobretudo no pós-pandemia e a indiferença de muitos jovens relativamente à presença de Deus não são questões que devemos «açucarar» pensando que, apesar de tudo, ainda subsiste um certo espírito religioso. Na realidade, às vezes o suporte exterior pode ser religioso, mas por trás desses andaimes a fé vai envelhecendo.
O Papa advertiu então que é preciso vigiar para que as práticas religiosas não se reduzam à repetição dum repertório do passado, mas expressem uma fé viva, aberta, que difunda a alegria do Evangelho.
O Santo Padre destacou então que também os malteses iniciaram, através do Sínodo, um processo de renovação, e lhes agradeceu por este caminho. Este é o momento de voltar àquele começo, ao pé da cruz, olhando para a primeira comunidade Cristã, para ser uma Igreja que tem a peito a amizade com Jesus e o anúncio do seu Evangelho, e não a busca de espaço e atenções.
“Não tenhais medo de empreender – como já fazeis – percursos novos de evangelização e anúncio, talvez até arriscados, mas que tocam a vida”.
Francisco voltou então mais uma vez para as origens, para Maria e João junto da cruz. Nos primórdios da Igreja, temos o seu gesto de mútua entrega. Com efeito, o Senhor confia cada um deles aos cuidados do outro: João a Maria e Maria a João. Realmente não se tratou dum simples gesto de compaixão – Jesus teria confiado a sua Mãe a João, para que Ela não ficasse sozinha depois da morte d’Ele – mas duma indicação concreta do modo como viver o mandamento supremo: o do amor. O culto a Deus passa pela proximidade ao irmão.
Quão importante é na Igreja o amor entre os irmãos e o acolhimento do próximo!
“Caríssimos, o mútuo acolhimento, não como pura formalidade, mas em nome de Cristo, é um desafio permanente. É-o antes de mais nada para as nossas relações eclesiais, porque a nossa missão produz fruto se trabalharmos na amizade e na comunhão fraterna”.
Mas o acolhimento é também o teste decisivo para verificar quão efetivamente esteja permeada a Igreja pelo espírito do Evangelho.
Maria e João acolhem-se não no refúgio ameno do Cenáculo, mas junto da cruz, naquele lugar tenebroso onde se era condenado e crucificado como criminoso. Também nós não podemos acolher-nos apenas entre nós à sombra das nossas belas igrejas, enquanto fora muitos irmãos e irmãs sofrem e são crucificados pelo sofrimento, a miséria, a pobreza e a violência.
“No rosto destes pobres, é o próprio Cristo que Se apresenta a vós. Esta foi a experiência do Apóstolo Paulo que, depois dum terrível naufrágio, foi calorosamente acolhido pelos vossos antepassados…. Eis o Evangelho que somos chamados a viver: acolher, ser peritos em humanidade, acender fogueiras de ternura quando o frio da vida paira sobre aqueles que sofrem”.
Enfim o agradecimento do Papa aos numerosos missionários malteses “que espalham a alegria do Evangelho por todo o mundo, aos inúmeros sacerdotes, às religiosas e aos religiosos e a todos vós”.
“Como disse o vosso bispo D. Teuma, sois uma ilha pequena mas de coração grande. Sois um tesouro na Igreja e para a Igreja”.
Fonte: Vatican News