Mais uma vez chegamos à primeira Sexta-feira de um Mês. No fundo, esse dia é sempre ocasião para afervorar nossa amizade pessoal pelo Senhor que fez chegar seu amor ao ponto do suplício de amor na Cruz. Escrevo Cruz com maiúscula. Toda vez que participamos da celebração da Eucaristia ouvimos o relato que fala do corpo dado e do sangue derramado. Pouco antes de ter o peito rasgado pela lança do soldado, segundo o evangelista João, Jesus disse: “Tenho sede” (João 19,28).
Sede do Senhor, nossas sedes. Claro que há tortura da sede de nosso corpo. Numa doença, com febre, numa tarde calorenta, de escaldante verão, nossa garganta tem sede. Sede de água. Há, é claro, outras modalidades de sede, sedes metafóricas. Sede da verdade quando se vive num ambiente de mentira. Sede de atenção e de carinho da criança sem afeto dos pais ou entre esposo ou da esposa que perderam o jeito de se acarinharem. Sede do prisioneiro pela saída de detrás das grades. Sede de trabalho do desempregado que nada mais em nas prateleiras da casa, para matar a sede e fome dos seus.
Há uma sede de beleza, de plenitude, de dom escondida ou explicitada em cada um de nós. Sede misturada com fome. Fome de viver o carinho e o dom. Sede de termos um rosto transparente. Sede do Senhor. “Minha alma tem sede de vós…como a corça busco as fontes”. Triste quando as pessoas, os cristãos, os discípulos de Jesus não têm mais sede, quando nossas gargantas estão satisfeitas com águas turvas e bebidas que não matam nossa sede. Há uma bem-aventurança da sede. Felizes os sedentos…
José Tolentino Mendonça: “A sede exprime-nos – havemos de descobrir. Mas pode acontecer que tenhamos a maior dificuldade de admitir sequer que estamos sedentos. Tudo parece correr sem especiais sobressaltos. Por isso, reagimos com estranheza e nos perguntamos: mas sedentos de que? De quem? Pode acontecer que instalados na rotina desautorizemos os sinais de sede e, a dada altura, eles se tornem tão incompreensíveis como uma língua estrangeira em que não fomos iniciados. Contudo a necessidade vital de restauração está, desde sempre, cravada na nossa carne. Não podemos fazer de conta que a sede não existe. Aliás, da sua escuta positiva depende a qualificação da vida espiritual (Elogio da sede, Tolentino, p.45-46).
E a sede de Jesus, no alto da cruz. Vale a pena ler está página de Jean Varnier: “A sede de Jesus é uma sede de amor pelas pessoas tal como são, com a sua pobreza, as suas feridas, com as suas máscaras e seus mecanismos de defesa, e com toda a sua beleza. A sua sede é que cada um de nós – “grande” ou “pequeno”, pouco importa – possa viver plenamente e experimentar o máximo de alegria. A sua sede é romper as cadeias quem nos trancam na culpa e no egoísmo, impedindo-nos de avançar e crescer na liberdade interior. A sua sede é libertar as energias mais profundas que se escondem em nós para que possamos nos tornar homens e mulheres de compaixão, artesãos da paz como ele, sem fugir do sofrimento e dos conflitos de nosso fragmentado mundo, mas tomando o nosso lugar e construindo comunidades e lugares de amor, de maneira a acender uma esperança na terra” (citado por Tolentino, Elogio da sede, p. 78).
Primeira sexta-feira de setembro. Do alto da Cruz, antes que a lança abrisse-lhe o coração, o Amor feito carne, diz: “Tenho sede”.
Frei Almir Guimarães, OFM
Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil (OFM)