Solenidade do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo: “[…] nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor!”

MISSA DA NOITE

LEITURAS: Is 9,1-6 / Sl 95 / Tt 2,11-14 / Lc 2,1-14

O profeta Isaías anuncia que “um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado”. Nesta noite de Natal a revelação de Deus ao profeta se concretizou. O evangelista Lucas narra como aconteceu o nascimento deste menino. Tendo o cuidado de expressar concretamente o grande mistério desse nascimento, Lucas contextualiza o tempo e o lugar para indicar que a vinda de Jesus não é apenas uma abstração atemporal e fora da história humana.

Era o tempo dos personagens bem conhecidos na história política: César Augusto, imperador romano que dominava o povo judeu; Quirino, governador da Síria, que organizou o recenseamento da Palestina; Herodes, rei da Judeia. O local é tido como “cidade de Davi”, Belém, uma cidadezinha sem muita importância próxima a Jerusalém. Lá chegaram José e sua esposa grávida, Maria, certamente em meio a parentes de José. Por causa do tal recenseamento a casa estava cheia.

O lugar do nascimento é o mais improvável para um bebê: um estábulo. O berço é simplesmente uma manjedoura. É aí que “nasceu para nós um menino”. É daí que surge o anúncio “hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo Senhor! Um menino envolvido em faixas, deitado em uma manjedoura”.

Que mistério inebriante! Em sua grandeza e infinitude, Deus quis fazer-se carne assumindo nossa pequenez e limitação. Nasceu o Salvador do mundo numa extrema pobreza, à margem de toda sociedade, sem um lugar numa casa, sem um berço, apenas com o aconchego do colo de Maria. Este é o sinal mais eloquente de que Deus está com o seu povo, com os pobres, os marginalizados, os sem teto, os sofredores.

O profeta Isaías anuncia um novo tempo: sem opressão, sem guerra, sem armas, sem derramamento de sangue… mas com paz, com direito e justiça, pois nasceu o “Conselheiro admirável, o Deus poderoso, Pai para sempre, o Príncipe da paz”.

São Francisco de Assis quis sentir, tocar, abraçar e contemplar este mistério no presépio pobre com cheiro de animais. Na alegria ele glorificou o Deus humanizado, cuja presença ele via no leproso, no pobre, no mundo…

O Natal é ocasião para cada cristão tomar a iniciativa e fazer-se amigo de um irmão pobre. Oferecer-lhe um coração e uma mão generosa além de algo material que amenize o seu sofrimento. É também ocasião de “por a mão na consciência” e deixar a indiferença diante das guerras, das atrocidades contra os direitos humanos e do egoísmo que nos ofusca diante do sofrimento alheio.

A alegria das festividades não pode abafar o grito inocente daquelas crianças atingidas pela fome, pela marginalização, pelo abandono, pela violência, pela indiferença. Hoje devemos rezar: Jesus feito carne como uma criancinha seja luz e vida para todas as crianças ameaçadas no mundo.

Frei Valmir Ramos, OFM


MISSA DO DIA

LEITURAS: Is  52,7-10 / Sl  97 / Hb 1,1-6 / Jo 1,1-18

Com uma página maravilhosa o Evangelho de João inicia com o anúncio de que Deus veio morar com o seu povo. “E a Palavra se fez carne e habitou entre nós”. É a Palavra de Deus que ama de forma infinita o seu povo que mora neste mundo e que nem sempre aprecia a luz, a verdade, a vida. Na Sagrada Escritura a Palavra de Deus, “Dabar”, significa ação, Sabedoria, pois Deus fala agindo. Isto vemos já no Gêneses quando Deus diz, por exemplo, “faça-se a luz” e a luz começou a existir. E tudo foi criado pela sabedoria de Deus. O fazer-se carne foi a forma com que Deus escolheu para ser presença pessoal e sensível entre os seus filhos e filhas. Deus agora fala através do Filho: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”, diz na carta aos Hebreus. Toda a humanidade é interpelada pela Palavra, deve ouvir o que diz o Filho de Deus.

O nascimento do Salvador era esperado pelo povo de Deus. Já revelado pela mesma Sabedoria de Deus, o Salvador nasce como um menino do seu povo. O Evangelista o apresenta como Palavra que desde sempre estava com Deus, por isso não é criada, mas gerada no útero de Maria. Esta forma de vir participar da história da humanidade surpreendeu os doutores e mestres da Lei que não aceitaram Jesus como Salvador.

O contexto em que surge o texto de Isaías (da 1ª leitura) é de opressão e domínio sobre o povo de Israel, o povo de Deus. O profeta vislumbra a salvação que vem de Deus através de um “novo rei” que voltaria a Sião, Jerusalém, para reerguê-la das ruínas, alegrar o seu povo e torná-la centro de salvação para todos os povos. Num primeiro momento aparece a esperança de um rei político forte o suficiente para vencer os dominadores. Depois alcança uma dimensão mais universal de realização do bem e da paz.

No Evangelho, João contrapõe as situações da humanidade com aquelas que revelam Jesus: criaturas quando Jesus é Criador com o Pai; trevas quando Jesus é luz que ilumina todas as pessoas; fragilidade da carne quando Jesus é gerado pelo Espírito; finitude temporal quando Jesus é eterno; submissão à Lei quando Jesus é graça e verdade libertadora. A luz perpassará todo o Evangelho de João e será aquele que iluminará os olhos e as mentes para ver Deus presente no meio da humanidade.

Em nossos dias, o Natal significa nova esperança para a humanidade abrir bem os ouvidos para deixar a Palavra morar na vida. Isto implica dar o devido valor a cada coisa: primeiro a vida com dignidade para todas as pessoas, a vida de toda a criação pelo que é e para dar condições de vida ao ser humano, a solidariedade que é expressão de amor verdadeiro ao próximo, o respeito ao ser do outro e das criaturas, até chegar aos verdadeiros valores humanos que distinguem os filhos e filhas de Deus das demais criaturas.

Frei Valmir Ramos, OFM