
Cinco dias após receber o Prêmio Laudato Si’ em Roma por seu compromisso com a ecologia integral, o teólogo Leonardo Boff desembarcou no Brasil e seguiu direto para o assentamento Maná, na periferia de Uberlândia (MG). Esse gesto simples, mas profundamente simbólico, diz muito sobre a coerência de uma vida inteira dedicada à fé encarnada, à justiça socioambiental e à opção pelos pobres.
Boff foi estar com o povo que luta todos os dias por dignidade, terra, moradia e alimento. Na cozinha comunitária do assentamento Maná, sentou-se para conversar com lideranças de nove cozinhas comunitárias que, em Uberlândia, formam uma rede de solidariedade ativa, resistência urbana e cuidado com a vida. O tom da roda de conversa era de esperança e resistência. Boff e Marcia escutaram, partilharam e reafirmaram a importância de manter acesa a chama da luta.
O assentamento Maná nasceu em 2013, fruto da ocupação de uma área por famílias sem teto. Desde então, as famílias enfrentam o desafio da regularização fundiária, já parcialmente aprovada, mas ainda incompleta. A comunidade resiste, cresce e se fortalece — e as cozinhas comunitárias são parte essencial dessa construção coletiva.

Mais do que distribuir alimentos, as cozinhas comunitárias de Uberlândia são verdadeiros núcleos de organização comunitária. Ali se prepara comida, sim — mas também se cozinha a solidariedade, se alimenta a esperança e se planta a transformação social. São espaços que unem o campo e a cidade. Com a participação de Cooperativas de Alimentos da Reforma grária conecta assentamentos de reforma agrária, áreas de agricultura familiar com os bairros e ocupações urbanas onde a fome ainda machuca.
As cozinhas comunitárias são geridas por organizações da própria base e contam com o apoio de importantes parcerias, como a Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade (AFES), a Central dos Movimentos Populares (CMP), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Juntas, essas iniciativas garantem o direito à alimentação saudável, fortalecem a soberania alimentar e promovem formação e empoderamento para populações em situação de vulnerabilidade. Essas cozinhas são verdadeiros territórios de resistência e cuidado, onde a justiça socioambiental se concretiza diariamente.
Ao visitar esse espaço, Leonardo Boff não apenas prestou solidariedade. Ele reafirmou, com o corpo presente e o coração atento, aquilo que sempre defendeu em sua teologia: a centralidade dos pobres, a sacralidade da Terra, a espiritualidade comprometida com a vida.

A homenagem recebida por Boff em Roma, no dia 30 de maio, foi significativa. O Prêmio Laudato Si’, que foi entregue pela Ordem dos Frades Menores na Pontifícia Universidade Antonianum, reconhece sua contribuição à ecologia integral — um conceito que une cuidado com a Casa Comum e justiça social.
Na visita ao assentamento Maná esse reconhecimento ganhou carne, chão e povo. Em tempos de crises múltiplas — climática, social, espiritual — o gesto de Boff nos lembra que o compromisso com a ecologia integral não se mede apenas por discursos, mas pela escolha dos lugares e dos rostos com os quais se caminha. Da solenidade na Universidade Pontifícia Antonianum em Roma, à cozinha de uma ocupação em Uberlândia, ele nos mostra o que significa, viver com os pés na terra e o coração no Evangelho.
Fonte: Fala Chico